quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

II.

II.

Deve ter acontecido o mesmo a Adão. Preservado de quaisquer desejos, por muito que Eva flanasse diante dele e os seus cabelos a vestissem pelo tempo de um pensamento, foi necessário imaginar-se outro – igual a Deus – para que o paraíso se desvanecesse e a inquietação se enroscasse para sempre no seu coração.

A mulher a quem abri a porta é o meu irremediável tormento, desde que o espírito ganhou forma.

E, no entanto, bastaria possuí-la para que o encanto se desfizesse. Será que ela sabe isso?

“Pode dizer-me qual é o caminho mais perto para Óbidos?”
O contentamento descontente, a dor que desatina sem doer, o nunca contentar-se de contente, tudo isso e a saudade de alguém que esteve sempre connosco impediram-me de responder-lhe. Vi, mais abaixo, na estrada de terra, um automóvel à espera. A pouco e pouco, o universo reconstruiu-se sem ideal nem esperança. O automóvel buzinou.

“Ouça, não é fácil para quem não conhece esta região. O melhor é ir convosco, para não se perderem.”


2 comentários:

Rosa dos Ventos disse...

E é a melhor solução!
O desconhecido atrai-nos sempre...

Abraço

Isabel Branco disse...

Adão

"O amor, escreve Platão, “ama aquilo que lhe falta, e que não possui”. Se nem toda falta é amor (não basta ignorar a verdade para amá-la: além disso é preciso saber-se ignorante e desejar não mais o ser), todo amor, para Platão, é mesmo falta: o amor não é outra coisa senão essa falta (mas consciente e vivida como tal) de seu objecto (mas determinado). Sócrates bate o martelo: “O que não temos, o que não somos, o que nos falta, eis os objectos do desejo e do amor.”
André Comte-Sponville

Será que a dita mulher sabe que é assim "desejada" e infinitamente amada? Que poderá acontecer se o souber?

Que acontecerá a seguir, nesta história????

Um beijinho.