quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Bola de Sabão




Um olhar de análise...
Um estar de viragem...
Um ser de ninguém...
Eis...a multiplicidade da questão!!!
Um abraço arrefecido...
Um beijo esquecido...
Um desamor sem abrigo...
Eis... a incapacidade do coração!!!
Um ano diabólico passado...
Um sonho perfeito alcançado...
Um projeto difícil adiado...
Eis...a veracidade da razão!!!
Um tempo, uma memória...
Um facto, uma máscara, uma história...
Um homem, uma mulher...
Eis...a realidade da emoção!
Um flamingo, um mar...
Um cavalo branco, alado...
Um poema escrito na areia...
Eis...a liberdade duma bola de sabão!


Isabel Branco

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

domingo, 11 de dezembro de 2011

Minha Gratidão... * Isabel Branco , Minha Poetisa "Azulinha"





Minha Querida Isabel Branco,
Minha "Poetisa Azulinha"

OBRIGADA!!!

nesta palavrinha
tão comum
minha gratidão
pelo momento...
O meu tempo...
no Tempo teu ...
tal "força" na intenção
palavrinhas minhas
pela tua mão...
"Magia do deserto..."
aconteceu...

e...
curtir a saudade
entrar nas vielas da esperança...
alimentar-me da lembrança
reavivar a nossa AMIZADE...

em "PALAVRAS NOSSAS"
Tu... e Eu!!!


de:aileda/adeliavaz

sábado, 3 de dezembro de 2011

Deixei-te além...




Deixei-te além...
Onde as espinheiras me feriram
no âmago da selva,
na esperança dum rio serpente,
na saudade argilosa
dum cheiro inesquecível...

Deixei-te além...
Onde as flores desabrocham
entre os píncaros das montanhas
na visão dum sol poente
sobre as nuvens de algodão
duma ilha maravilhosa...

Deixei-te além...
Onde criança te encontrei
entre os búzios e as conchas,
naquela praia irreverente,
no tempo da memória
dum sorriso inextinguível...

Deixei-te além...
Onde o abraço se descruza
num último adeus que se acena...
No beijo em nossas bocas latente,
algures num tempo perdido,
sonho e asa de mariposa...

Deixei-te além...
Onde a dor se desprende
de meus olhos chuvosa
nesse barco dolente
(alma minha desvairada),
num silêncio inconcebível...

Isabel Branco



quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Falta-me...




Falta-me o mar
que longe me espraia...
esse mar onde me escondo,
esse mar onde me encontro...
Falta-me o beijo
que na areia se espuma
esse beijo que me incendeia,
esse beijo que onda me arrebata...
Falta-me a brisa
que os cabelos me despenteia...
essa brisa que me ameniza,
essa brisa que, livre, além me leva...
Falta-me o azul
que imensidão me ilumina...
esse azul que poema me fascina,
esse azul que abismo me domina...
Faltas-me tu...meu (a)mar
que tumultas meu mundo, meu sonho...
nesse amar que me constrói...
nesse amar que me consome!!!


Isabel Branco

sábado, 26 de novembro de 2011

Tomara...





Tomara o sonho, a emoção, o momento
a inexplicável e louca euforia
e banhar-me de lua
em quartos crescentes de meias noites.
Quisera da dor o fim , o esquecimento...
 Um nó cego...uma corajosa ousadia,
e descer a rua
na esperança que me acoites...

Tomara o mar, o azul, o vento,
a frenética dança das folhas secas
e navegar falua
nas mansas águas do teu coração.
Quisera adormecer meu lamento
entre os espinhos das rosas frescas
e ser-te eu e tua,
infinita ...em beijos de rubra paixão!!

Isabel Branco

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Poema à Boca Fechada; Na Ilha por Vezes Habitada; Protopoema - José Saramago


61º Programa - José Saramago - DIZER POESIA by Isabel Branco2

Autodidata, natural de Azinhaga na Golegã e nascido a 16 de Novembro de 1922, José de Sousa Saramago foi jornalista, argumentista, ensaísta, dramaturgo e um brilhante e polémico escritor e poeta português de cariz universal. Nobel da literatura em 1998 ganhou também o Prémio Camões em 95, sendo a sua obra conhecida pelo estilo oral em que a riqueza e vivacidade da comunicação são mais importantes do que a correção da linguagem escrita. Num estilo próprio e único na literatura contemporânea, a sua escrita repensa os acontecimentos, reinventa as figuras históricas e os lugares, criando uma nova realidade histórica, evidenciando também em determinada altura a sua ideologia marxista. Apesar de pouco se falar de Saramago enquanto poeta e pensador, a sua profunda introspecção, lucidez e sentido critico, para além do seu lirismo e originalidade destacaram-no também nessa área, manifestando-se sobretudo através de três formas: a ode, a elegia e o poema de amor. Como ele próprio disse: “Uma pitada de poesia é suficiente para perfumar um século inteiro.” Para além disso, todos os seus romances são uma imensa e peculiar prosa poética. Vítima de leucemia crónica, Saramago faleceu a 18 de Junho de 2010, aos 87 anos de idade, na sua casa em Lanzarote onde residia com a mulher Pilar del Rio.

POEMA À BOCA FECHADA

Não direi:
Que o silêncio me sufoca e amordaça.
Calado estou, calado ficarei,
Pois que a língua que falo é de outra raça.

Palavras consumidas se acumulam,
Se represam, cisterna de águas mortas,
Ácidas mágoas em limos transformadas,
Vaza de fundo em que há raízes tortas.

Não direi:
Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,
Palavras que não digam quanto sei
Neste retiro em que me não conhecem.

Nem só lodos se arrastam, nem só lamas,
Nem só animais bóiam, mortos, medos,
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam
No negro poço de onde sobem dedos.

Só direi,
Crispadamente recolhido e mudo,
Que quem se cala quando me calei
Não poderá morrer sem dizer tudo.

José Saramago

NA ILHA POR VEZES HABITADA


Na ilha por vezes habitada do que somos,
há noites, manhãs e madrugadas em que não precisamos de
morrer.
Então sabemos tudo do que foi e será.
O mundo aparece explicado definitivamente e entra
em nós uma grande serenidade, e dizem-se as
palavras que a significam.
Levantamos um punhado de terra e aperta-mo-la nas
mãos.
Com doçura.
Aí se contém toda a verdade suportável: o contorno, a
vontade e os limites.
Podemos então dizer que somos livres, com a paz e o 
sorriso de quem se reconhece e viajou à roda do
mundo infatigável, porque mordeu a alma até aos
ossos dela.
Libertemos devagar a terra onde acontecem milagres
como a água, a pedra e a raiz.
Cada um de nós é por enquanto a vida.
Isso nos baste.


José Saramago

PROTOPOEMA


Do novelo emaranhado da memória, da escuridão dos
nós cegos, puxo um fio que me aparece solto.
Devagar o liberto, de medo que se desfaça entre os
dedos.
É um fio longo, verde e azul, com cheiro de limos,
e tem a macieza quente do lodo vivo.
É um rio.
Corre-me nas mãos, agora molhadas.
Toda a água me passa entre as palmas abertas, e de 
repente não sei se as águas nascem de mim,
ou para mim fluem.
Continuo a puxar, não já memória apenas, mas o
próprio corpo do rio.
Sobre a minha pele navegam barcos, e sou também os
barcos e o céu que os cobre e os altos choupos que
vagarosamente deslizam sobre a película luminosa
dos olhos.
Nadam-me peixes no sangue e oscilam entre duas
águas como os apelos imprecisos da memória.
Sinto a força dos braços e a vara que os prolonga.
Ao fundo do rio e de mim, desce como um lento e
firme pulsar do coração.
Agora o céu está mais perto e mudou de cor.
É todo ele verde e sonoro porque de ramo
em ramo acorda o canto das aves.
E quando num largo espaço o barco se detém, o meu 
corpo despido brilha debaixo do sol, entre o
esplendor maior que acende a superfície das águas.
Aí se fundem numa só verdade as lembranças confusas 
da memória e o vulto subitamente anunciado do
futuro.
Uma ave sem nome desce donde não sei e vai pousar
calada sobre a proa rigorosa do barco.
Imóvel, espero que toda a água se banhe de azul e que 
as aves digam nos ramos por que são altos os
choupos e rumorosas as suas folhas.
Então, corpo de barco e de rio na dimensão do homem, 
sigo adiante para o fulvo remanso que as espadas
verticais circundam.
Aí, três palmos enterrarei a minha vara até à pedra
viva.
Haverá o grande silêncio primordial quando as mãos se
juntarem às mãos.
Depois saberei tudo.


José Saramago

DESPUDOR


Trago na retina
o baú dos segredos
e espelho rosas em águas calmas.
Habito entre as almas
no tom matiz dos medos
e bebo o fascínio
do néctar que escorre
colhido no exílio dos penedos.
Seguro uma caneta de ponta fina
entre a cútis dos dedos,
cúmplice atrevida
das horas silenciosas
e danço nua, na penumbra,
num esvoaçar de borboleta,
despenteada,
pelos olhos da noite espreitada.
Responde-me o eco
que pelo absoluto corre
como fantasma que da lápide se ergue
e, sou, de novo, menina
pela primeira vez enamorada.
Num esvoaçar de pombas,
 soltam-se as palmas
dum sol de oiro em declínio
e a lua sem pudor
espreita maravilhada
e vem, mansamente, falar-me de amor.


Isabel Branco


DIZER POESIA


61º Programa: José Saramago - Poema à boca fechada; Na ilha por vezes habitada; Protopoema (e o Meu - Despudor) 


http://tv.rtp.pt/multimedia/progAudio.php?prog=3273


Transmitido na RDP Internacional a 25 de novembro de 2011.


domingo, 20 de novembro de 2011

Aforismo; Karingana ua Karingana; Quero ser tambor - José Craveirinha (Moçambique)



60º Programa - José Craveirinha - DIZER POESIA by Isabel Branco2


AFORISMO


Havia uma formiga
compartilhando comigo o isolamento
e comendo juntos.
Estávamos iguais
com duas diferenças:
Não era interrogada
e, por descuido, podiam pisa-la.
Mas aos dois intencionalmente
podiam por-nos de rastos
mas não podiam

ajoelhar-nos.

Mulato, filho de pai algarvio, José Craveirinha nasceu em Moçambique, na capital Lourenço Marques, atual Maputo, a 28 de Maio de 1922, e faleceu a 6 de Fevereiro de 2003, na África do Sul.
Autodidata, desempenhou diversas actividades. Foi funcionário da Imprensa Nacional de Lourenço Marques, jornalista, atleta, futebolista, cronista desportivo, colaborando também em diversas publicações periódicas.
Foi preso pela PIDE, mantendo-se na prisão durante 5 anos. Posteriormente após a independência de Moçambique foi membro da Frelimo e presidiu à Associação Africana.

Entre outros prémios foi também o 1º autor africano a receber, em 1991, o Prémio Camões. Craveirinha é um dos mais reconhecidos poetas da língua portuguesa e um dos maiores escritores africanos. Refletindo algumas influências dos surrealistas, representa uma natureza sofrida, resistente, encarna as transformações de Moçambique nas últimas quatro décadas, mesclando na sua obra os conflitos da sua época e os tormentos de seu povo.




KARINGANA UA KARINGANA (Fórmula clássica de iniciar um conto e que possui o mesmo significado de “Era uma vez”)


Este jeito
de contar as nossas coisas
à maneira simples das profecias
— Karingana ua Karingana —
é que faz o poeta sentir-se
gente.

E nem
de outra forma se inventa
o que é propriedade dos poetas
nem em plena vida se transforma
a visão do que parece impossível
em sonho do que vai ser.

— Karingana!

QUERO SER TAMBOR


Tambor está velho de gritar
Oh velho Deus dos homens
deixa-me ser tambor
corpo e alma só tambor
só tambor gritando na noite quente dos trópicos. 

Nem flor nascida no mato do desespero
Nem rio correndo para o mar do desespero
Nem zagaia temperada no lume vivo do desespero
Nem mesmo poesia forjada na dor rubra do desespero. 

Nem nada! 

Só tambor velho de gritar na lua cheia da minha terra
Só tambor de pele curtida ao sol da minha terra
Só tambor cavado nos troncos duros da minha terra. 

Eu! 

Só tambor rebentando o silêncio amargo da Mafalala
Só tambor velho de sentar no batuque da minha terra
Só tambor perdido na escuridão da noite perdida. 

Ó velho Deus dos homens
eu quero ser tambor
e nem rio
e nem flor
e nem zagaia por enquanto
e nem mesmo poesia. 

Só tambor ecoando como a canção da força e da vida
Só tambor noite e dia
dia e noite só tambor
até à consumação da grande festa do batuque! 

Oh velho Deus dos homens
deixa-me ser tambor
só tambor! 


José Craveirinha

DE REMOS PERDIDOS

De remos perdidos
singro o meu bote
no mar da incerteza.
Ganho asas de condor
nas velas brancas
que na imaginação desfraldo.
Navego um navio alado
rumo à ilha desconhecida
que entre brumas, ao longe, avisto.

Teimosa, persisto
entre os bancos de sargaços
em que me enredo.
Nem o fascínio dos corais,
nem o brilho das pérolas
de a alcançar me impede.
Escudo-me num sol poente
de azuis e exóticas madrepérolas
e aporto ao cais das longas esperas.

Isabel Branco





DIZER POESIA


60º Programa: José Craveirinha - Aforismo; Karingana ua Karingana; Quero ser tambor (e o Meu - De remos perdidos) 


http://tv.rtp.pt/multimedia/progAudio.php?prog=3273


Transmitido na RDP Internacional a 18 de novembro de 2011.


terça-feira, 15 de novembro de 2011

A Vida...



A Vida!…
A minha…
A tua…
A nossa…
A que tivemos
e a que deveríamos ter tido…
A que soubemos
e a que não nos permitimos…
A que perdemos,
a que sonhamos…
e a que nos falta ainda viver…
A vida…que nos coube,
mal ou bem vivida…
mas que não teria sido a mesma
se as nossas vidas
não tivessem feito parte uma da outra!

A Vida!...
O sorriso, a memória…
A lágrima incontida…
O grito, a luta, a glória…
O silêncio, a chegada, a ida!
Enfim, a nossa história!



Isabel Branco


domingo, 13 de novembro de 2011

Adeus, à hora da largada; Poema - Agostinho Neto

59º Programa - Agostinho Neto - DIZER POESIA by Isabel Branco2


DIZER POESIA
59º Programa: Agostinho Neto - Adeus, à hora da largada; Poema (e o Meu - Havemos de voltar) 

http://tv.rtp.pt/multimedia/progAudio.php?prog=3273

Transmitido na RDP Internacional a 11 de novembro de 2011.



Agostinho Neto nasceu em Kaxicane, concelho de Ícolo e Bengo, distrito de Luanda, Angola, a 17 de Setembro de 1922 e faleceu em Moscovo, a 10 de Setembro de 1979, presumivelmente assassinado, no decorrer de complicações ocorridas durante uma operação a um cancro hepático de que sofria, poucos dias antes de fazer 57 anos de idade. Médico, formado em Portugal, preso pela PIDE, e deportado para o Tarrafal pela sua ideologia politica, presidente do MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), viria a tornar-se, a 11 de Novembro de 1975, no primeiro presidente de Angola até 1979.
A sua obra, confunde-se com a própria história recente de Angola, condicionada pelas dificuldades do momento em que foi escrita. A poesia de Agostinho Neto é uma poesia engajada que apresenta as imagens poéticas das vivências do homem angolano. Mas ele não fala só do passado e do presente, mas também da busca, da preparação do futuro. Fala da necessidade de lutar, de sonhar, de lutar pela independência, do reconquistar da identidade angolana apesar da presença colonizadora.

ADEUS À HORA DA LARGADA



Minha Mãe
           (todas as mães negras
            cujos filhos partiram)
tu me ensinaste a esperar
como esperaste nas horas difíceis


Mas a vida matou em mim essa mística esperança


Eu já não espero
sou aquele por quem se espera


Sou eu minha Mãe
a esperança somos nós
os teus filhos partidos para uma fé que alimenta a vida


Hoje
somos as crianças nuas das sanzalas do mato
os garotos sem escola a jogar a bola de trapos
nos areais ao meio-dia
somos nós mesmos
os contratados a queimar vidas nos cafezais
os homens negros ignorantes
que devem respeitar o homem branco
e temer o rico
somos os teus filhos
dos bairros de pretos
além aonde não chega a luz elétrica
os homens bêbedos a cair
abandonados ao ritmo dum batuque de morte
teus filhos
com fome
com sede
com vergonha de te chamarmos Mãe
com medo de atravessar as ruas
com medo dos homens
nós mesmos


Amanhã
entoaremos hinos à liberdade
quando comemorarmos
a data da abolição desta escravatura


Nós vamos em busca de luz
os teus filhos Mãe
       (todas as mães negras
        cujos filhos partiram)
Vão em busca de vida.


Agostinho Neto




POEMA


Apetece-me escrever um poema.


Um poema fechado dentro de si
para ser compreendido
 apenas
pelos passarinhos que chilreiam lá fora
sobre as três árvores
da minha única paisagem;
para ser sentido
na canção da seiva
circulante no verde das ervas
do caminho áspero da encosta;
e pelo brilho do sol
e pelo carácter integro dos homens.


Um poema que não sejam letras
mas sangue vivo
em artérias pulsáteis dum universo matemático
e sejam astros cintilantes
para calmas noites
de Invernos chuvosos e frios
e seja lume para acolher as gazelas
que pastam inseguras
nos campos acolhedores da imensa vida;
amizade para corações odientos;
motor impelindo o impossível
para a realidade das horas;
cântico harmonioso para formosura dos homens.


Um poema
- (ah! quem comparou a África
a uma interrogação cujo ponto é Madagáscar?)


Um poema solução
resolvendo a curva interrogativa da imagem
em linha recta de afirmação;
a beleza das florestas virgens
e a precisão da engrenagem da existência;


o som fantástico do trovejar sobre pedras;
os cataclismos fluviais
pendentes sobre as frágeis canoas do rio Zaire;
a obnubilação ansiosa das almas da penumbra
o claro arrebol no olhos dos homens.


Um poema traçado sobre aço
escrito com as flores da terra
e com os braços erguidos da podridão;
esculpido no amor
que exala a esperança daquele meu amigo
a esta hora com a tanga ensopada
no suor do seu dorso;
com as canções adocicadas dum quissange ao luar;
das gargalhadas infantis para a minha amada;
do calor simpático
do corpo sangrento dos homens


Um poema fechado
– longo e imperceptível –
em que amor e ódio entrelaçados
sejam a síntese da discordância
para ser cantado em todas as línguas
guiado pelo som da marimba e do piano;
ritmo de batuque enxertado sobre as valsas
da outra mocidade;
harmonia de xinguilamentos
sobre o bárbaro matraquear das máquinas de escrever;
grito aflitivo no vácuo
debatendo-se para encontrar a vibração da matéria
e a aspiração dos homens.


Mas não escreverei o poema.


Em que subterrâneos circularia
o ar irrespirável da violência?
Nas cavernas dos teus pulmões
ò caften das vielas sórdidas
do conformismo?
Ou na avidez dos quilométricos intestinos
dos chacais?
Ou nas cavidades prostituídas do coração
infame do esclavagismo?
Ou nas goelas
da desonestidade inconsciente?


Não escreverei o poema.


Escreverei cartas à minha amada
preencherei os espaços claros dos impressos
com letra impecável
e nos intervalos
cantarei canções afro-brasileiras.
Sonharei.
Sonharei com os olhos do amor
encarnados nas tuas maravilhosas mãos
de suavidade e ternura.
Sonharei com aqueles dias de que falavas
quando te referias à primavera;
sonharei contigo
e com o prazer de beber gotas de orvalho
na relva
deitado ao teu lado,
ao sol – uma praia furiosa lá ao longe.


E ficará dentro de mim a amargura
por não escrever o poema.


Ele há tantas amargura!
Não escreverei o poema.


Direi simplesmente
que o colosso de certeza na humanidade do Universo
é inapagável
como o brilho das estrelas
como o amor dos teus olhos
com a força na harmonia dos braços
como a esperança nos corações dos homens.


Inapagável
como a sensual beleza
da agilidade das feras sobre o campo
e o terror transmitido dos abismos.


Direi simplesmente sim
sempre sim
à honestidade dos homens
ao viço juvenil da sinfonia das árvores;
ao odor inesquecível da natureza
que apaga todos os possível cheiros amargos.


Sim!
à interrogação mágica de Talamungongo
do Cunene ou do Maiombe,
ao sonoro cântico de ritmo subterrâneo
e dos chamamentos telúricos;
aos tambores
apelando para o fio da ancestralidade
esbatida aqui e além;
ao ponto interrogativo de Madagáscar.


Sim!
às solicitações místicas à musculatura dos membros
ao quente das fogueiras endeusadas
na lenha das sanzalas
às expressões magníficas das faces
esculpidas no alegre sofrimento das quitandeiras
e no ritmo febril das sensações tropicais;
à identidade com a filosofia do embondeiro
ou com a condição dos homens,
ali onde o capim os afoga em confusão.
Sim! À África-terra, à África humana.


 Direi sim
em qualquer poema.


E esperemos que a chuva passe
e deixe de molhar os chilreantes passarinhos
sobre as três árvores da minha única paisagem.


Isso passa.


Agostinho Neto


HAVEMOS DE VOLTAR!


Havemos de voltar!
Mais velhos...
Diferentes...
Derrotados...
Cinzas...
Pó...
Sementes arrastadas pelo vento
num pôr de sol de fogo...
Levados na fúria da maré...
Mas havemos de voltar
numa trovoada tropical,
derrubados
beijaremos a terra
e voltaremos, serenos,
a florescer no capinzal.


Isabel Branco
(in A Outra Parte de Mim...
do livro Dez Degraus até ao Sol)

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Sem Inspiração



Sem inspiração…sem querer, nem achar…
Assim…me declino na apatia dos dias.
Sem motivação… sem escrever, sem mar…
Assim…me calo na agonia das horas vazias.

Desalento! Perco-me de afetos e de temas
na morna quietude duma estranha dormência!
Emudecem as palavras, dormem os poemas
na vasta planície duma frígida ausência.

Sinto!…A existência como se a não sentisse!
Presa ao nada, alheia, indiferente,
como não vivesse, como nada visse…

Silencio!...Corre a tinta demente
rasurando, como se o papel ferisse
e, este meu eu, triste, matasse simplesmente…


Isabel Branco

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Pingos de Chuva





Entre os pingos da chuva
nesse pingue-pingue cadenciado
que a melancolia abraça,
cresce uma onda incolor,
manto de tristeza e dor,
alagando o ser silenciado.

E cada pedra sorve a transparência do havido…
Cada pedaço de chão veste-se de verde acontecido…
Cada hálito repassa a húmida e tugida
voz da natureza adormecida.
Cada semente rasga a vida
na majestade duma simples flor…

Essa face oculta da verdade
pela chuva disfarçada
rompe dos olhos alucinada
em gotas de solidão e de mágoa…
Há alma e beleza na fealdade
e um renascer a cada oportunidade!

Isabel Branco