sexta-feira, 8 de julho de 2011

Que ridículo...




Que ridículo
dar ao texto a volta,
comer o bolo,
ir directa ao assunto,
sair da frente,
fazer uma plástica...

E, de repente,
atirar para o chão
frases feitas
de pastilha elástica
ou pensamentos empacotados
em caixinhas de alumínio.

Aos sinais de fumo
num ula-ula
gesticulado e frenético
que ridículo
baixar a guarda,
beber a cerveja
sorvendo-lhe apenas a espuma
e, ao saborear da cereja
engolir o caroço
cuspindo a vermelhidão
do fruto proibido.

Que pouco ético,
que ridículo
envergar a farda,
dançar o tango
sem brio, sem aprumo...

Que ridículo
o descer do corrimão,
patamar a patamar
e sorridente ultrapassar
a lâmina aguçada
ao final da linha...

Uhmm...que arrepio
e que simultâneo fascínio!

Que ridículo
patinar no gelo
descalça até ao osso
e, delicadamente,
em vénia: a pirueta,
a reviravolta...
as palmas, a exaltação,
o obstáculo vencido...

Que ridículo
o gatafunhar das entrelinhas,
o virar da página
da história por escrever
duma gigantesca abóbora
em carruagem transformada,
duma formosa Cinderela
em Gata Borralheira transformada.

Que ridículo...
O espatifar da vítrea pipeta
em constante e aflitivo apelo;
o murmurar do silêncio,
a ulcerosa ferida
a cada espinho duma rosa amarela...

Que ridículo,
o ridículo das cartas de amor
não escritas
no frenesim dos minutos marcados
a cada passagem de lua,
a cada promessa de mar;

Que ridículo,
ao piar das corujas,
o acordar e adormecer,
insolentemente,
dos sonhos inacabados...


Isabel Branco

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