sábado, 5 de novembro de 2011

Em Torno da Minha Baía; Ilha Nua - Alda do Espírito Santo

58º Programa - Alda do Espírito Santo - DIZER POESIA by Isabel Branco2

 Alda do Espírito Santo, também conhecida por Alda Graça, nasceu em São Tomé a 30 de Abril de 1926. Foi educada em Portugal, regressando depois à sua Ilha, como professora, exercendo posteriormente alguns cargos governamentais nas áreas da Educação, da Informação e da Cultura e ainda como deputada e Presidente da Assembleia Nacional. Presidente da União Nacional dos Escritores e Artistas de São Tomé e Príncipe, cargo que acumulou com a Presidência do Fórum da Mulher de S. Tomé e Príncipe é autora da letra do hino nacional de S. Tomé e Príncipe e de uma poesia, que expressa o protesto e a luta, intimamente associados às aspirações do seu povo e à liberdade. Os seus poemas aparecem nas mais variadas antologias lusófonas, bem como em jornais e revistas de São Tomé e Príncipe, Angola e Moçambique. Depois de publicar "O Jogral das Ilhas, em 1976, publicou em 1978 "É nosso o solo sagrada da terra", um dos seus trabalhos mais importantes, conjuntamente com Trindade outro livro que publicaria mais tarde. Faleceu a 10 de Março de 2010, aos 83 anos, em Luanda para onde foi evacuada para a amputação duma perna devido a diabetes.

EM TORNO DA MINHA BAÍA 


Aqui, na areia, 
Sentada à beira do cais da minha baía 
do cais simbólico, dos fardos, 
das malas e da chuva 
caindo em torrente 
sobre o cais desmantelado, 
caindo em ruínas 
eu queria ver à volta de mim, 
nesta hora morna do entardecer 
no mormaço tropical 
desta terra de África 
à beira do cais a desfazer-se em ruínas, 
abrigados por um toldo movediço 
uma legião de cabecinhas pequenas, 
à roda de mim, 
num voo magistral em torno do mundo 
desenhando na areia 
a senda de todos os destinos 
pintando na grande tela da vida 
uma história bela 
para os homens de todas as terras 
ciciando em coro, canções melodiosas 
numa toada universal 
num cortejo gigante de humana poesia 
na mais bela de todas as lições: 


HUMANIDADE 


Alda do Espírito Santo 

ILHA NUA 


Coqueiros e palmares da Terra Natal 
 Mar azul das ilhas perdidas na conjuntura dos séculos 
 Vegetação densa no horizonte imenso dos nossos sonhos. 
 Verdura, oceano, calor tropical 
 Gritando a sede imensa do salgado mar 
 No deserto paradoxal das praias humanas 
 Sedentas de espaço e de vida 
 Nos cantos amargos do ossobô (1) 
Anunciando o cair das chuvas 
 Varrendo de rijo a terra calcinada 
 Saturada do calor ardente 
 Mas faminta da irradiação humana 
 Ilhas paradoxais do Sul do Sará 
 Os desertos humanos clamam 
 Na floresta virgem 
 Dos teus destinos sem planuras... 


Alda do Espírito Santo 


1 - 0ssobô: ave de belas cores, cujo canto, segundo a tradição, anuncia chuva. Tem ainda a força mítica que o associa a regiões paradisíacas. 

NÃO SOU DAQUI… 


Não sou daqui... 


Vim do Longe, 
do Ontem 
que Amanhã há-de provir. 


Esmoreço, por aqui... 


No meu hábito de monge 
a ninguém, a nada 
me identifico. 


Areia doutro mar, 
embruteço, petrifico 
no tempo sem idade, 
incapaz de mudar... 


Bicho doutro mato, 
sol doutra selva, 
em lúcida identidade 
vagueio plena do acto... 


Inócua, desenraizada, 
humana me ramifico 
e me entrelaço na cidade 
pelas lianas do ali... 


Ato e desato 
o presente sem vacilar! 


Não!... 
Não sou daqui... 


E, fico... 


Fico 
na louca vontade de partir, 
cheirando além, 
a rosas, a relva, 
ao lírio branco 
do recomeçar... 


Isabel Branco




DIZER POESIA
58º Programa: Alda do Espírito Santo - Em Torno da Minha Baía; Ilha Nua (e o Meu - Não Sou Daqui...) 

http://tv.rtp.pt/multimedia/progAudio.php?prog=3273

Transmitido na RDP Internacional a 04 de novembro de 2011.

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