quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Roteiro





Tive desertos vivos...de areias e solidão,
caravanas de esperança arrastadas
em sóis renascentes de dias invulgares...
O troar das armas numa cidade moribunda
persegue-me e criva-me de balas perdidas...
A terra vermelha argilosa, a selva profunda,
os mosquitos, as espinheiras, os elefantes,
presenteiam a memória fecunda
e apóstilas cicatrizes se reabrem
no ziguezaguear dum rio límpido mergulhadas...
O lodo do mangal enegrece
o voo raso rosa flamingo
e as acácias sangrentas floridas
pupulam exuberâncias sentidas...
Perto da estação, entre eucaliptos verdejantes,
vejo passar comboios de saudade
reacendendo embaciados olhares
nas cinzas de infâncias d’outros mares...
De segunda a domingo,
intérprete e atriz de cenas inacabadas,
percorri o imaginário mundo
em tardes de cinema fulgurantes...
Vi desfilar, em frações de segundo,
o filme de todas as minhas tantas vidas!
Não lhe escolhi o roteiro...nem o elenco,
tão pouco as falas consentidas,
mas os direitos foram-me reservados!
Na clepsidra do tempo, vi esgares...
Vi agonia, vi dor, vi alegria...vi dignidade...
Ah! E tu...tu...o sonho...a emoção,
a quimera, o riso, a minha outra metade...
Todas as minhas perspetivas tombadas
na rasa crueza duma sanguínea verdade...
Máquinas, fábricas, calabres,
maneei, dobrei, naveguei...
Impiedosas deficiências familiares,
que ninguém merece,
guerra, campos de concentração,
horrores, arame farpado, violentação,
doenças, infertilidade,
nascimentos, sofrimentos
calei, chorei, ultrapassei...
Sobretudo amei...
e...de tudo...poemas de amor ao vento lançei...
Rasguei pedaços de alma neles contidos
escrevi livros...e livros...e livros...de afinidade!

Isabel Branco






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