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Adeus ano ruim que me roubaste a vida do meu pai,
do meu tio e d´outras vidas também amadas.
Adeus ano de tragédias e desgraças,
das troikas impróprias e malditas,
dos ivas aumentados,
das faturas exigidas,
dos ordenados e subsídios roubados
e dos afazeres triplicados.
Das famílias destroçadas e das casas perdidas...
Dos sem abrigo pelos bancos dos jardins
com as estrelas por teto e por manto,
em abraços de frio e lençóis de chuva.
Adeus ano intenso de realinhamento dos planetas...
Da renúncia dum Papa, do conclave
e do fumo branco na eleição
dum Sumo Pontífice do fim do mundo.
Dos milhares de desempregados e suas facetas,
das crianças esfomeadas a quem, além do pão,
roubam o direito à saúde e à educação.
Adeus ano azarento de percas, acidentes,
crimes, suicídios, greves e manifestações...
Dos vigaristas e oportunistas,
dos abusos e extorsões
tão a jeito e convenientes...
Adeus ano aziago de doenças,
de estranhas convulsões
e inquietantes operações...
Adeus ano vermelho dos fogaréus
devastando o país em chamas
ceifando as vidas dos que lhes dão luta.
Adeus ano sangrento dos ajustes de contas,
dos atentados, das perseguições,
da tristeza, da mágoa e da revolta,
das páginas viradas em tempos de crise
para destinos longínquos em emigração
levando saudade e dizendo adeus
à miséria, à vergonha, à desgraça,
à merda que em este país se transformou...
Adeus capas negras que o mar leva
em estudantis toadas de aflição...
Adeus ano de dor e de lágrimas...
Adeus ano maldito...morre agora tu também
e deixa que a esperança nos renasça
na promessa doutro ano que se aproxima!
Isabel Branco
Não sou nada...
Senão este princípio de morte
em que meus dias apodrecem...
Das tantas almas que tenho
a duas me apego...
Uma... cobre-se de véus,
de sonhos, tinta e fantasia.
Escorre lânguida por linhas tortas
na branca macieza do papel...
A outra... ingrata e louca,
desvairada e sem sorte,
ergue castelos que se desvanecem
num frouxo nó cego
de dúvidas sem respostas...
Duas chamas... Dois fogaréus...
Duas pobres folhas mortas...
Dois estares sem tamanho
presos num espelho fiel...
No incessante rodopiar do ego
antes quebrava que torcia...
Não sou nada... e não sabia!
Isabel Branco